Therion, Cellar Darling e The Devil em São Paulo
Publicada em 16, May, 2018 por Fabiano Cruz
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Sempre fui curioso para saber como é uma apresentação do Therion, com suas complexas canções refinadíssimas em grandiosos arranjos vocais e orquestrais. Quando anunciaram a turnê de Beloved Antichrist a curiosidade aguçou, pois o trabalho é uma produção que sai das barreiras do Heavy Metal chegando bem próximo - se não chegou - a complexidade de uma ópera. Com duas bandas como apoio, o show de São Paulo teve alguns percalços antes das apresentações. Primeiro foi a divulgação que poucos realmente tiveram conhecimento da passagem da banda, e junto conciliou em um fim de semana com outros shows que, se não são de mesmo público, são de públicos similares. Resultado disso: um Carioca Club pela sua metade de capacidade, público muito pouco pela história e trabalho que o Therion tem. Em segundo, talvez até consequência de tais fatores, a confusão de datas e horários, onde em São Paulo tivemos troca de data do show e horários das bandas no dia da apresentação.
Em um clima mais intimista, a primeira banda a tocar foram os enigmáticos do The Devil. A proposta de um Gothic Metal instrumental que vai além do som, pois a iluminação, os vídeos e as narrações trabalham em conjunto, criando um clima extremamente sombrio e soturno, chamou a atenção dos presentes. Baseado no único trabalho de estúdio auto intitulado, a banda conversa com o público por meio de suas performances; esse fato com as canções que, mesmo bem compostas e sem virtuose - afinal a proposta realmente é o ambiente como um todo e não a música se sobressaindo - a apresentação fica um tanto monótona. Os 40 minutos aproximadamente forma o suficiente para a banda mostrar seu trabalho sem antes o público começar a se irritar ou se desinteressar pra valer, mas o resultado foi positivo para banda e público.
Com um pouco atraso, outra estréia em terras paulistas acontecia: Cellar Darling. A banda da bela e encantadora Anna Murphy nasceu do rompimento do folk do Eluveitie, e uma boa parte estava ali para realmente ver essa banda. Com também somente um disco, o show baseado no mesmo começou com Black Moon e Hullaballo. Não pé a toa que os integrantes saíram do Eluveitie, pois o som do Cellar Darling está bem longe do folk metal - ainda que utilize dos elementos - calcado num Heavy Metal mais alternativo e gótico; a mistura dos sons pode parecer estranha, mas as composições são muito bem elaboradas e arranjas, funcionando perfeitamente ao vivo. E impossível não focar na figura de Anna; meio tímida, carismática, e uma presença enorme em palco, a banda fica em prol da magia que ela emana; sua voz encantadora ecoa por todos os cantos, misturando uma técnica incrível entre o folclórico e o lírico. E não é habilidosa somente no canto, no exótico hurdy gurdy ela extrapola os limites o levando a lugares além do folk, e na flauta completa belas melodias bem encaixadas em momentos chaves. Em Avalanche Anna no brinda com uma aula de canto... Claro, ela não teria todo o potencial sem a banda coesa por trás, onde tocaram todas as canções de maneira uniforme sem deixar o show cair em momento algum. Com somente um disco - e sem tocar nenhuma da antiga banda talvez desapontando quem esperasse ver alguma do Eluveite - o show foi curto, terminando com Fire, Wind and Earth e Challenge, saindo aclamados pelos presentes.
Mais um pouco de atraso - o que diferenciou da maioria dos shows de Heavy Metal, pois o público se acostumou com horários mais cedo e, obviamente, houve reclamações - e problemas em palco logo no início da apresentação, os fãs do Therion já estavam impacientes. Sem muitas firulas em abertura, a banda entra com Theme of Antichrist do mais novo trabalho seguido de duas porradas de sua fase mais antiga The Blood of Kingu e Din. Não é fácil executar em palco o som complexo do Therion, e com isso vem a questão técnica do som; o começo pareceu estar regulado para as partes mais orquestrais e limpas da sonoridade da banda, mas com os arranjos mais voltados ao Heavy Metal, o som pareceu muito embolado e sem brilho, algo que só foi sendo corrigido nas primeiras músicas. E mesmo assim não abalou a banda e os músicos que são excepcionais. Therion intercalou bem um set com músicas muito bem escolhidas de Belevoled Antichrist - afinal, escolher músicas para um show de uma obra de quase três horas não deve ser tarefa fácil - como Bring Her Home e Night Reborn, com clássicos absolutos consagrados como Ginnungagap e Typhon; sem deixar de lado (ainda que não toquem muito da fase inicial Death Metal de sua história), canções antigas como a clássica Cults of the Shadow.
É uma apresentação fascinante e hipnotizante. Mesmo que a genialidade de Christofer Johnsson (para mim, uma das mentes mais subestimadas do Heavy Metal) em sua guitarra se mostre um som perfeito e muito bem composto, ao lado da banda, o foco do Therion são os arranjos vocais. Thomas Vikstrom, Linnea Vikstrom e Chiara Malvestiti impressionaram com suas performances e a quantidade de vozes e timbres diferentes que o trio fez, sem contar com a perfeição nos backing e coros - momentos como em An Arrow From the Sun, Wine of Aluqah e My Voyage Carries On não tinha como ficar inerte à magia que o trio impunha na casa. A técnica dos três é tão absurda que em muitos momentos o som se assemelhava mais a uma Aria de ópera ou a um Lied (forma composicional de canção nascida no movimento romântico da música de câmara), com uma banda fazendo o apoio para as vozes.
Em nenhum momento Therion deixou a energia cair, pelo contrário, conforme o som foi sendo equalizado devidamente, mas a banda chamava a atenção. Der Mitternachtslöwe e Son of the Staves of Time fecharam o tempo no show. A banda em palco dialoga com o público, mas de maneira direta e sem muito rodeios (e nem precisa pelo impacto que causam em palco), e voltam ao bis com The Rise of Sodom e Gomorrah e a cantada em uníssono pelos fãs, To Mega Therion. Quase duas horas de apresentação do Therion e quase quatro horas de belíssimos shows onde as bandas deram tudo de si; um evento que valeu cada centavo pago para quem estava por lá, mesmo com os problemas relatados. E Therion deixou aquele "Gostinho de quero mais", pois por mais que sejam precisos nos samples, deve ser mais mágico ainda ver a banda com orquestra e coral ao vivo... quem sabe um dia?
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