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Coberturas de shows

Djavan em Fortaleza

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Publicada em 23, May, 2016 por Daniel Tavares


As "placas de avenida" informavam: neste sábado, 21 de maio, o Centro de Eventos do Ceará receberia mais um caetano icônico para a música popular brasileira, o alagoano Djavan. E ao lado de uma banda afiada formada por Paulo Calasans (teclado), Marcelo Mariano (baixo), João Castilho (guitarra), Carlos Bala (bateria) e sopros de Jessé Sadoc e Marcelo Martins, Djavan mostrou várias canções de seu mais recente álbum de inéditas (em uma discografia que já ultrapassou as duas dezenas), "Vidas Pra Contar".

Djavan Caetano da Silva é para a MPB o que talvez Raul Santos Seixas foi para o rock. Mesmo com um repertório que possa parecer esquisito para as grandes massas, ambos os músicos são (e falo no presente, mesmo tendo Raul partido em 89) extremamente populares. O alagoano, que fala de amor, de paixões perdidas, de temas cotidianos, mas com arranjos complexos e de muito bom gosto, é frequentador assíduo da trilha sonora de novelas que há anos tem lugar cativo nas salas dos brasileiros. E com esse último disco, ele emplacou duas, sendo que a primeira, "Se Não Vira Jazz", um jazz, foi a escolhida para abrir o show. Apesar de marcada para as 22h (e nos ingressos o horário era ainda mais cedo, 21h), a apresentação só começou às 23h, com parte do público já vaiando impacientemente. Logo aos primeiros acordes desta primeira canção, a irritação dos fãs deu lugar a gritos empolgados e a um batalhão de celulares registrando cada passo do ícone da MPB. "Miragem" veio em seguida, com luzes em bons efeitos criados pelo design de iluminação de palco. Outro ponto a ser ressaltado é a decoração de palco. Simples e bela, com cabos pendentes que dialogavam com a iluminação criando também belos efeitos.

Um ponto negativo ocorrido durante a execução da canção foi o fato de que muitos fãs do Setor Premium correram para perto do palco. Isso é até bem compreensível, mas um detalhe não pode ser vilipendiado. Era um setor de mesas. Imagine-se no lugar de quem pagou caro para assistir a um show de forma mais confortável tendo a visão prejudicada por alguns outros colegas de setor que não tiveram a educação de pensar nas outras pessoas. Que feio. Desrespeito com os outros é atitude que não combina com o bom gosto da música de Djavan. De que adianta gritar "Fora Dilma", "Fora Temer", "Fora Cunha" se a pessoa não tem a polidez de ficar em seu lugar para não atrapalhar a visão de quem pagou um ingresso tão caro quanto o seu?

Voltando ao show, é a vez do primeiro clássico, "Eu Te Devoro", que, assim, como muitas ali em diante, seria cantada em coro pelo público junto com Djavan. É também a primeira vez que ele se dirige à plateia. "É um prazer incrível estar aqui em Fortaleza. Quero dizer que esse show é em homenagem ao amor não correspondido. Mas também ao amor eterno. Eu ouvi dizer que meu show é bom pra arranjar namorada. Então sejam felizes. Como nós", afirmou o alagoano, que não apenas canta, mas também toca, como em "Me Leve", em que ele pega uma guitarra para ajudar a funkear, enquanto Calasans se destaca com seu solo de teclado. E Djavan também dança. E não é como seu xará baiano (que deveria se abster de fazer suas dancinhas). Tem molejo. Mas eu faço ou não faço comentários sobre a roupa do moço de 67 anos? Não, não vou fazer, mas, eu, se fosse fazer um show, não o faria de pijama. Opa, fiz.

A bela "Outono", na sequência, ao contrário do que tinha dito o cantor é sobre o amor correspondido e é seguida por "Alívio", com um solo de sax tão bom que quase dava pra bangear (quem curte Heavy Metal saberá o significado do termo). E em "Não É Um Bolero" o fundo do palco exibe um poema, concreto, desconexo, djavânico, desprovido de métricas, rimas, até de nexo às vezes, uma sucessão de frases que, querendo sem querer, conta uma estória de amor. Leia o poema na íntegra no final desta matéria.

Djavan fala de amor em suas canções. E se justifica, como se precisasse: "compositores de todos os lugares do mundo falam disso". Com mais sucessos na ponta da língua do público (como "Linha do Equador") e temas de novela ("Encontrar-te", um jazz delicioso, está na trilha sonora da novela das sete, "Totalmente Demais"), Djavan mantem olhares atentos para si o tempo inteiro. E frequentemente aproveitava enquanto seus colegas de banda faziam solos para pegar nas mãos de quem estava mais perto do palco (inclusive daquele pessoal mal-educado de quem falei lá em cima). Mas quando tenta "trazer de volta o Nordeste" para suas composições, como em "Vida Nordestina", não soa tão bem. Embora seja um belo "forrozim", de flauta e viola, é algo automático, polido demais, sintético, com gosto de fast food. Não é natural como, por exemplo, seus vizinhos Fagner, Elba, Alceu.

Depois do momento arrasta-pé, ficam apenas Djavan e Castilho no palco, para uma versão só com guitarra e violão de "Açaí". Mesmo com um dos versos mais herméticos do cancioneiro popular brasileiro (mas que é claríssimo, segundo seu autor), a canção do "zum de besouro" é cantada a plenos pulmões no Centro de Eventos. Traduza se for capaz o verso "Açaí guardiã / zum de besouro um ímã / branca é a tez da manhã".

Ainda quase sozinho (a companhia agora é Calasans), Djavan dá início a um dos momentos mais belos da noite, a melancólica "A Rota do Indivíduo". A canção é bela, madura, triste, um jogo de palavras, de adjetivos negativos...o coração é gelado, a água tem que estar abandonada, o mistério é solitário, a vida corre parada, a tarde é vazia, e um substantivo, o nada, fecha tudo.

Como se não fosse o bastante, mais emoção é o que traz "Pétala", seguida da que dá nome ao disco, a misteriosa, complexa "Vidas Pra Contar". Desnecessário dizer que o público dividiu os vocais com o poeta na primeira. E se há códigos a decifrar em "Açaí" em "Dona do Horizonte", em que Djavan fala da relação com a mãe, a estrutura é quase narrativa. Não há nada escondido ali. É até literal demais. Só mesmo Djavan seria capaz de enfiar um "Por Exemplo" no meio de uma canção. "Meu filho, você tem uma vozinha bonitinha. Quem sabe um dia você não vai ser cantor?", contou ele antes de iniciar a homenagem à mãe.

É hora de samba, com "Flor de Lis" (aquela do boato) e "Fato Consumado", a mais velha no repertório. Os backing vocals originais (desdizendo o principal) fazem falta na vice-campeão do Festival Abertura. O swing continua, mas agora entregue ao funk (o de verdade, o de James Brown), ao soul, à black music. Se eu soubesse mais que quatro notas, eu diria que Sol é a nota que Djavan repete incisivamente no clímax da canção "Só Pra Ser o Sol", a última do disco novo na noite. Nela, Djawando recebe de presente mais uma lingerie (ele já tinha recebido um sutiã azul, o que despertou risos na plateia, entre outros presentes como um boneco e receberia uma bandeira do Ceará). O cantor levanta os ombros como em expressão "que culpa tenho eu?". Com o clima ainda dançante (ou melhor, mais dançante), é a vez de "Lilás". E não faria mal nenhum se Sadoc e Martins se prolongassem nos solos de sopro. O funk (e até um pouco de rap) continua com "Boa Noite". Durante esta canção, foi a primeira vez em que foi possível ver o baterista Carlos Bala (algo que deve ser corrigido no posicionamento dos músicos no palco).

Depois de uma pausa para o bis, o septeto volta para "Um Amor Puro". É interessante mencionar que em algumas músicas o compositor alagoano cria uma conexão com a vida das pessoas, falando de temas que lhes são tão próximos de uma forma que beira a pessoalidade. As canções se encaixam naquilo que os fãs talvez gostassem de dizer. É o meu Eu, eu mesmo, que me vejo querendo amar sem limites a Sílvia e viver uma grande estória. É pessoal. E esse talvez seja um dos motivos porque essa mistura eclética de canções moldadas em estruturas inusitadas consiga atingir o gosto popular e ser um oásis nos "bará bará berês" e safadezas que emporcalham a música brasileira.

O show está realmente chegando ao fim e, depois de apresentar a banda, Djavan pede: "tinta!". Já sabemos de que cor. É "Azul". Por último, Caetano termina com a canção em que canta seu nome (ele também é Caetano, lembrem-se), com Mariano metendo "mãozadas" em seu baixo e nós, sádicos, adorando. Enquanto o público suplica por "Oceano", Djavan agradece (como fizera várias vezes durante o show) e afirma: "espero que vocês saiam como nós vamos sair: felizes".

Num repertório tão cheio de clássicos do único artista brasileiro a ganhar homenagem no Grammy latino pelo conjunto de sua obra, as ausências garantiriam um novo show inteiro. "Seduzir", "Se", "Samurai", "Um Dia Frio", "Meu Bem Querer", "Oceano", "Esquinas"... melhor parar por aqui. Mas finalizemos afirmando que, enquanto outros medalhões da MPB vivem do passado, resumindo-se a cantar, recantar e requentar sucessos, dando a impressão de que todo show é o mesmo show já assistido anteriormente, Djavan assume uma postura corajosa ao privilegiar tanto um álbum novo e, mesmo assim, garantindo uma noite inesquecível para quem foi vê-lo. Que bom seria se fosse tomado como exemplo.

Agradecimentos:
D&E, em especial Maurílio Fernandes e Airlly Barbosa, pela atenção e credenciamento.

Confira abaixo o poema que "ilustrou" algumas das canções no meio do show:

Canção crepuscular
Estação do amor não correspondido
A esperança é quem me abriga
Um amor puro não sabe a força que tem
Ela e eu já não somos dois
Não faço nada sem te ouvir
Amar é tudo
Tá no índio, tá no grego
No pelo do mundo
A mancha envenenada do ciúme.
Sabe lá o que é não ter e ter que ter pra dar
Reaparecer com a tarde ainda
Por amor, ando por onde for
Por você faço o que for pra viver
Há paixão nos ares, mas só no amor se vai longe
Na nova ordem geral de um novo comando, abstinência moral é crime hediondo
Quando se ama, vive-se mais.
Deitado em quarto crescente
Mãe é o nome do amor
Sorrir pra mim é quase um jardim
Adorava-me ver como teu
Por ser amor, invade e fim.

Setlist
1- Se não vira jazz
2- Miragem
3- Eu te devoro
4- Me leve
5- Outono
6- Alívio
7- Não é um bolero
8- Linha do Equador
9- Encontrar-te
10- Vida nordestina
11- Açaí
12- A rota do indivíduo (ferrugem)
13- Pétala
14- Vidas pra contar
15- Dona do horizonte
16- Flor de Lis
17- Fato consumado
18- Só pra ser o sol
19- Acelerou
20- Lilás
21- Boa noite
22- Um amor puro
23- Azul
24- Sina


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