Roberto Carlos em Fortaleza
Publicada em 11, Apr, 2016 por Daniel Tavares
Sábado, 9 de abril. Mais uma vez, um dos mais importantes nomes da música brasileira, Roberto Carlos, se apresenta em Fortaleza. Para encontrar-se novamente com o ídolo da música, milhares de pessoas, de todas as idades, todas as classes sociais e de várias cidades cearenses, foram ao Centro de Eventos do Ceará. Nos momentos que antecediam o festival, alguns comerciais no telão (do lançamento de um prédio a um projeto na Praia do Forte) e uma trilha sonora com versões smooth jazz de canções bastante conhecidas. Até Nirvana, Soundgarden e Led Zeppelin, em versões difíceis de identificar de primeira.
Nas cadeiras, muitas pessoas com seus cabelos brancos, senhoras, senhores que acompanharam o Rei por uma vida inteira, mas também um número praticamente equivalente de pessoas na casa dos trinta, quarenta anos, talvez nascidos quando o Rei já havia abandonado o Rock n' Roll e abraçava a fase soul. E havia adolescentes, pessoas na casa dos vinte também, que receberam o amor pela música do rei no sangue de seus pais.
Com um atraso tolerável (e até benéfico para quem, por causa do trânsito ou qualquer outro motivo, também se atrasava), o show começa. Rafael Ferreira (sax tenor), Ubaldo Versolato (sax alto), Jorge Berto (trombone), João Lenhari e Nahor Gomes (trompetes), Darcio Ract (baixo), Elias Almeida e Paulinho Coelho (guitarras), Tutuca Borba (teclado), Norival Dângelo (bateria), Jurema D'Cândia e Luiz Carlos Ismail (backing vocals), regidos pelo maestro e pianista Eduardo Lages, sobem ao palco e já começam a emocionar com um medley de canções de Roberto Carlos. Canções estas que não estariam no setlist oficial da apresentação. E quando o locutor avisa ("Senhoras e Senhores, com vocês, Roberto Carlos") o frenesi é intenso em todo o Centro de Eventos.
Roberto Carlos finalmente sobe ao palco, agradece, fala do espaço e se declara pela primeira vez na noite ao público de Fortaleza. "Por tudo isso, por esse amor, eu gostaria de dizer muito mais outras coisas, mas meu negócio não é falar. Meu negócio é cantar". E o show tem início com "Emoções", "Como Vai Você", com lindo solo de sax e "Além do Horizonte". E o público cantando junto.
Os responsáveis pelos telões estão de parabéns dessa vez. Já assistimos a um show do Rei em que, praticamente, apenas ele aparecia. Mesmo quando Roberto pediu aplausos para seus colegas, não se via o músico merecedor dos tais aplausos. E reclamamos disso na resenha abaixo. Dessa vez, embora Roberto fosse o foco das câmeras na maior parte do tempo, como era realmente de se esperar, os músicos da banda apareciam sempre que estavam tendo um momento de destaque (um solo, por exemplo). Até mesmo o Maestro Eduardo Lages foi traído pela maior visibilidade quando foi flagrado mais empolgado em uma canção mais dançante e corrigiu a postura para a seriedade habitual, despertando risos na plateia de quem percebeu. Não tem problema, Eduardo. Muitas canções do Rei foram feitas pra isso mesmo: pra dançar e se alegrar.
http://screamyell.com.br/site/2014/04/13/roberto-carlos-em-fortaleza/
Tutuca inicia uma versão bem dançante de "Ilegal, Imoral ou Engorda" para Roberto cantar fazendo uma cara safada de "eu sou um santo, não faço mal a ninguém". Mas é "Detalhes" um dos pontos altos do show. Na canção, que começa com um belo interlúdio no piano, Roberto, em tom bem intimista, aparece com um violão para cantar aquele que é um de seus maiores clássicos. Apesar da presença dos teclados e de ter um dos guitarristas ajudando em outro violão, ainda parece ser só Roberto lamentando um amor perdido sob um céu estrelado.
As canções de Roberto Carlos, como "Desabafo" (com belo solo de trompete), fazem parte da vida das pessoas, do irmão mais novo que mexia nos LPs do irmão mais velho, e do mais velho que ficava danado da vida com isso. E, mesmo sem ser fã do artista, não há um brasileiro que não tenha uma (ou várias) estórias pra contar aqui (parafraseando outra canção), de tantas emoções já vividas, momentos jamais esquecidos, detalhes da vida. Ao encerrar a canção, no verso, na hora que você quer, Roberto termina dizendo: "Mentira! Nesses mais de trinta e cinco anos de experiência eu posso dizer que a coisa é na hora que elas querem". E, sempre muito bem-humorado, brinca: "o pior é que até os homens aplaudiram". "Mas o amor é assim. O amor é uma troca", conclui.
Sobre "Outra Vez", o astro se rende em um longo discurso. "No amor, ninguém realmente foi, porque quando se ama verdadeiramente, quem foi, sempre será. ISOLDA fez essa canção pensando num amor que ela ainda sentia, porque o amor existe sempre". E emocionou o público, que cantou junto. As marcas da idade, dos amores vividos, perdidos, ganhos, maltrataram o homem e deixaram suas marcas. E ele transmite isso nas canções. Parece sofrer de novo, querer de novo, perder sempre da mesma forma. "Eu sempre digo que ninguém tá sozinho numa situação como essa. Amor não deveria rimar com dor. A impressão que eu tenho é que quando vocês cantam comigo, alguém já viveu uma situação como essa". E brincou: "nã-nã-não. Não precisa levantar a mão, não. Mas vamos cantar juntos. E, canta, acompanhado pelo coro de milhares de vozes que já perderam um amor. Mas, ainda dá uma de Terence Fletcher (J.K. Simmons, no filme "Whiplash"), mas com muito bom humor. "Vocês se adiantaram. Tem que respirar fundo, bem fundo antes do finalzinho".
Lady Laura, a obrigatória homenagem à mãe, Dona Laura, é precedida de uma declaração bem parecida a que já tinha feito no Castelão, anos antes. "Essa canção eu fiz há muito tempo. E todas as vezes que eu cantei, cantei com o mesmo amor e alegria. Mas, hoje, a alegria é ZERO. Mas o amor é cada vez maior". O solo de sax, belo, embora contido, é bem registrado no telão.
Cada música começa com um belo interlúdio, mas as palmas disparavam sempre nas primeiras palavras do Rei. Assim foi em "Nossa Senhora", enquanto mãos se erguem em oração junto com o cantor. A versão apresentada no Centro de Eventos é até mais rica que a registrada em disco, mas, extremamente simples, ainda não deixa muito o que fazer para o baterista Norival, por exemplo. Ainda assim, Mas o público parece não se importar com isso. Reza, ora, canta junto com Roberto Carlos e vai às lágrimas.
Um pouco do rock que era feito nos anos 50 vem na excepcional introdução de "O Calhambeque", comandada inicialmente pelo quinteto de sopros e depois pelo tecladista Tutuca, enquanto RC se ausenta do palco. Na bem humorada canção, Roberto tem espaço para fazer brincadeiras, dizer que vai embora, lembrar das 1000 garitas querendo passear com ele, lembrar que já andara a 190km/h, parara na contramão... "Mas, agora, com a Lei Seca, é bom ter cuidado, né?", ele reconhece.
O show é uma caixinha, todos os detalhes tão pequenos são seguidos à risca, nada pode se exceder ou faltar, mas ainda há espaço para surpresas. E elas vem através de diferentes arranjos em cada canção. Roberto falou do "Primeira Fila", gravado em Abbey Road, com arranjos totalmente diferentes. Confessou até ter ficado preocupado. "Como é que eu vou cantar isso? Mas, no geral, gostei muito". O novo arranjo de "Eu te amo, te amo, te amo" é meio reggae, com um solo de teclado de Tutuka que bem que poderia estar num disco de qualquer banda influenciada pelo ritmo jamaicano. A gritaria foi completa. Muitas mulheres, senhoras, diziam, eu te amo, olhos fitos apontando o palco, maridos quietos ao lado.
Eduardo Lages, maestro, fica um tanto deslocado em canções e arranjos que não peçam por sua presença. Como reger um guitarrista? Ou talvez, formulando melhor a pergunta, para quê reger um guitarrista? Seus dedilhados e palhetadas sofrem pouca ou nenhuma influência do movimento das baquetas.
Criticamente falando, "Mulher Pequena", a próxima canção no repertório, é um erro na carreira do Rei. Independentemente das motivações que o levaram a direcionar a carreira ao mais popular, as canções da fase mais alegre não tem, nem jamais terão o brilho e qualidade de sua fase mais soul. Apesar disso, a canção agradou boa parte do público. E o toque de salsa e o distanciamento desde a época em que ocupava as paradas até que a torna interessante.
É preciso mencionar a estrutura oferecida para o show, com um número enorme de profissionais que, ao início do show ajudara a localizar as cadeiras corretas para cada fã presente (o show era com cadeiras numeradas), brigadistas a postos para qualquer eventualidade, seguranças, etc. Outro ponto extremamente positivo foi o fato de que a house mix não possuía nenhuma estrutura que atrapalhasse a visibilidade do público atrás dela, como por exemplo cobertas ou torres de repetição. Ponto muito positivo. O Centro de Eventos, no entanto, por ser completamente plano, dificulta a visibilidade para algumas pessoas. Quem fica mais atrás (ou mesmo na frente, mas poderia servir de musa para a canção citada) sofre para ver tudo o que acontece no palco.
Roberto Carlos não se aventura por faixas que não domine (ou que talvez prefira evitar). Não vai a agudos altíssimos, nem graves demais. Talvez a única em que viaje mais, é "Canzone Per Te" (que veio depois da ótima versão de "Negro Gato"). Entretanto, Roberto interpreta bem, demonstra o sofrimento contido, sente, sem fazer over-acting, a fossa dos personagens de suas canções. Nesta canção, ele lembrou do festival de San Remo, quando viveu, segundo ele, "um dos momentos mais importantes da minha carreira".
"Um dia descobri que as canções de amor que eu fazia eram simples. Até inocentes (embora eu nunca tenha sido inocente, nem quando nasci). Descobri que naquelas canções faltava falar de sexo. Afinal, amor e sexo são duas coisas que andam juntas.E sexo está entre as coisas que mais gosto (sexo, sexo com amor e sorvete). Não posso deixar de falar nas canções que eu faço das coisas que eu sinto", afirma Roberto sobre "Proposta", que, por influência do tema ou não, tem uma de suas melhores letras. "Eu te proponho não dizer nada, seguirmos juntos a mesma estrada que continua, depois do amor, no amanhecer". E colada a ela, ainda no mesmo tema, "Cavalgada", que fez falta no último show. A outrora ausente canção, agora vem com um arranjo de deixar queixos no chão. Muitos gritos são ouvidos enquanto luzes de todas as cores fogem do palco para iluminar a plateia no solo de guitarra que se converte em um arranjo sensacional (e incomum) em que toda a banda se destaca.
"Se Você Pensa", que já era ótima, recebe outro arranjo bom, embora não tão surpreendente. Mas, aqui, Nourival tem a chance de mostrar bastante serviço.
O mais recente grande sucesso do Rei foi "Esse Cara Sou Eu", tema de uma novela "das 8" exibida há não muito tempo. "Ela fala de um cara que toda mulher gostaria de ter, que todo homem gostaria de ser, que eu tento ser. Eu chego lá. Me aguardem", brinca Roberto. A canção não chega aos pés de qualquer de seus clássicos anteriores, mas marca, de certa forma, uma tentativa de retornar àqueles tempos áureos e a maioria do público canta junto.
Quando apresenta a banda que o acompanha, a RC9, que às vezes é 17, outras vezes é 40, 50, uma espécie de E Street Band brasileira, Roberto declara "quem tem uma banda como essa nem precisa de cantor", mas também brinca, chama uma parte de "coral infantil", cita as particularidades de cada um, fala que quem for à Praia do Futuro no dia seguinte vai encontrar o baixista surfando por lá. Em atitude de profundo respeito aos profissionais que o acompanham, ele exagera sempre definindo cada um como "entre os três melhores do mundo".
Roberto Carlos sempre cantou muito sobre sua religiosidade, já cantou sobre as baleias que cruzaram oceanos, sobre o ouro no ano passado, mas fala principalmente de amor, aquele sentimento que une as pessoas de forma tão firme que faz com serve de ponto de partida para as famílias (convencionais ou não). Até mesmo o casal mal-educado à sua frente pode ser visto de forma simpática ao demonstrar amor um pelo outro, enquanto o Rei canta "Como É Grande O Meu Amor Por Você".
O show chega ao fim com o hino "Jesus Cristo", que de tão emocionante deve emocionar até o próprio destinatário da canção. Ao fim da canção, como já é tradição, Roberto Carlos entrega uma enorme quantidade de rosas para uma também enorme quantidade de senhoras, que voltam à adolescência em busca do mimo do cantor. Muitas também retribuem e entregam presentes para o Rei, imagens de Nossa Senhora de Fátima, cartazes, etc. O final é belíssimo, com a E Street, digo, RC9 fazendo uma jam bombástica, sensacional (e todos os adjetivos positivos possíveis) que chega aos quinze minutos. Uma pena não haver registros com qualidade de todo esse momento. Claro, canções faltaram, "Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos", "Olha", "Cama e Mesa", "Como Dois e Dois", "Amada Amante", "As Curvas da Estrada de Santos"...não terminaríamos aqui se fôssemos citar cada uma das "canções que ele fez pra nós". Resta torcer que o Rei volte rapidamente a visitar seus súditos fieis. E que traga mais algumas destas na bagagem.
Agradecimentos:
Arte Produções, em especial a Thamyres Heros e Jéssica Malheiros, pela atenção e credenciamento.
Setlist
1. Emoções
2. Como Vai Você
3. Além Do Horizonte
4. Ilegal Imoral
5. Detalhes
6. Desabafo
7. Outra Vez
8. Lady Laura
9. Nossa Senhora
10. Calhambeque
11. Te Amo Te Amo
12. Mulher Pequena
13. Negro Gato
14. Canzone Per Te
15. Proposta
16. Cavalgada
17. Se Você Pensa
18. Esse Cara Sou Eu
19. Como É Grande O Meu Amor
20. Jesus Cristo
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