'Rock In Sampa': Ghost, Slayer e Iron Maiden
Publicada em 22, Sep, 2013 por Marcia Janini
Abrindo as apresentações da noite, a banda Ghost traz sua sonoridade diferenciada, pautando-se em vertentes do heavy como black e death metal. Canções exploram temáticas ligadas ao obscurantismo e os integrantes da banda apresentam indumentária baseada nas missas negras. Após causar suave polêmica no Rio de Janeiro na quarta noite do festival, os suecos trazem sua performance inusitada também para o público paulista... Que os recebe não calorosamente, mas com respeito e certo estranhamento à sua arte conceitual e totalmente pautada no obscuro, no fantástico...
Nas melodias a bateria cadenciada em progressão, ascendendo para andamentos vertiginosos, com linha de baixo em dub auxilia na ambientação densa/ dark das canções. Elementos de canto gregoriano permeiam o coro de boa parte delas.
Aura grandiloquente e misteriosa envolve os suecos do Ghost. Mas nem tudo é apenas densidade e suavidade em sua música... A terceira canção apresentada surge mais pop, quase dançante, remetendo ao post punk 80's de Siouxie and the Banshees e The Cure, na fusão com o heavy metal determinada pelas guitarras em afinação padrão e riffs agudos na conversão ao refrão.
O aparato de palco simples deixa transparecer ainda mais o conceito "bizarro"/ profano do grupo, que realiza uma excelente apresentação apenas com o essencial para qualquer grande banda: carisma, presença de palco e extrema técnica vocal e sonora...
Guitarras rascantes permeiam os refrões de algumas melodias, aliadas ao baixo em acordes dub, graves e solenes. Recursos do teclado, em notas suspensas, traduzem uma grande densidade, explorando sons pautados no ethereal.
A quinta canção executada, traz uma sonoridade dançante, remontando a era disco... Tudo isso, pasmem, em uma aberta apologia ao demônio!!! As trevas também podem ser dançantes (qualquer referência no post-punk experimental de bandas como Dead Can Dance não seria mera coincidência)!!!
Interpretam um de seus hits, visivelmente inspirado na sonoridade clássica de Béla Bartók em arranjos preciosos e acordes distorcidos das guitarras em afinação alta, permeados suavemente pelo teclado em acordes etéreos, suspensos, quase doces, traduzindo ainda maior dramaticidade à melodia e à excelente interpretação vocal que foge totalmente ao que se convencionou para as vertentes profanas e bizarras do rock: modulações suaves, coro inspirado e impostações vocais tênues, abolindo totalmente os guturais e cavernosos tons geralmente utilizados ou os agudos lancinantes quase gritados.
Mesclam com extrema perícia ao seu "Rock Horror Show" elementos pop, deixando sua sonoridade mais suave e até mesmo, mais convencional e facilmente assimilável ao grande público, sem abrir mão de uma grande qualidade estética e artística! Apresentação inteligente e correta!
Segunda atração da noite, o Slayer empolga os head bangers de plantão, com set list clássico, trazendo seus maiores sucessos.
Também com aparato de palco simples, composto apenas de banner, os cabeludos trazem sua sonoridade heavy metal, em canções com recursos interessantes determinados pela linha de baixo em contraponto à bateria e guitarras em riffs ora rascantes, ora em distorções sonoras... “Quebradeira” sonora ditada pelo andamento frenético... Muita agilidade e desenvoltura na condução dos instrumentos, em sonoridades inusitadas e demonstrações poderosas de perícia e maestria, sem perder o lado despojado e rebelde que sempre os caracterizou como uma das maiores bandas do segmento...
Os fãs vibram a cada canção executada... A sonoridade segue estrutura cíclica, e as guitarras exploram sonoridades root, malemolentes, cadenciadas em acordes vituosísticos, explorando o encadeamento de sonoridades menores em notas pontuadas...
Sem apresentar tantas variações, as canções demonstram entretanto o peso característico em letras que exploram na temática situações extraídas do cotidiano como a violência urbana e situações comuns ao universo do rock.
A viajante sonoridade apresentada pelas guitarras em escala ascendente logo dão lugar à condução precisa e vigorosa da bateria, que surge cadenciada para na sequência ascender ao andamento alucinante em verdadeiro show de precisão técnica e agilidade.
As suas canções apresentam invariavelmente introduções elaboradas, onde elementos de outros estilos do rock surgem extraídos do hard, soft e progressive, transmitindo maior suavidade e demonstrando suas variadas influências e a evolução de suas composições nas várias fases de sua trajetória.
Realizam uma bonita homenagem para Hanneman, componente da banda falecido recentemente, na execução de alguns dos maiores hits da banda, em canções repletas de boas variantes em andamento e cadência, em meio a uma atmosfera densa, diáfana, interrompida pelos acordes urgentes e diferenciados das guitarras distorcidas. No banner de fundo de palco, surge a homenagem transcrita de forma bem humorada simulando rótulo de famosa marca de cerveja. Os telões laterais do palco exibem fotografias do músico em momentos de descontração, gravações, ensaios e apresentações com a banda. Emocionante, sem descambar para o sentimentalismo piegas, numa homenagem simples e velada.
Nesta apresentação a banda ocupou-se apenas de uma coisa: tocar bem, com desenvoltura, sem preocupar-se com demais detalhes, demonstrando que para se realizar uma boa e bem sucedida apresentação, não é necessário nada além de ousadia, conhecimento e muita atitude rock n'roll... Cumpriram muito bem este intento, diga-se de passagem!
A aguardada atração da noite, os ingleses do Iron Maiden sobem ao palco por volta das 21h, com grande energia, vitalidade e um belo aparato cênico.
O palco, dividido em duas porções de nível, apresenta nicho em sua porção média, que abriga a bateria. O simpático mascote "Eddie" aparece no ciclorama de fundo de palco.
Trazendo todos os grandes hits da banda em performances inspiradas de Mr. Dickinson e banda, empolga o público da primeira à última execução.
Em excelente forma, o vocal sempre poderoso de afinação e timbre personalizado de Bruce Dickinson se une à brilhante condução da bateria de Nicko McBrain e às guitarras rítmica e base de afinação ímpar de Dave Murray, Adam Smith e Janick Gers em arranjos ricos e riffs distorcidos virtuosísticos, além do baixo perfeito de Steve Harris em contraponto à bateria.
Às belas introduções se mesclam arranjos que traduzem gravidade e leveza ao peso do metal...
Nenhum dos grandes hits e vertentes que permearam a carreira da banda ficaram de fora desta grande apresentação. Ao lado dos sucessos também foram executadas algumas pérolas "b-side" e as baladas hard rock.
Extremamente vigoroso, Dickinson dominou com carisma e maestria o palco, em performances arrojadas e dinâmicas.
Em momento bem humorado e clássico na trajetória da banda, Dickinson assume o papel de soldado na troca de figurino. Das paredes da estrutura que formam a porção superior do palco, surgem fantoches de lagartos que interagem com os músicos.
Para a apresentação de "The Number of The Beast", surge no ciclorama e na plataforma superior do palco a alegoria do bode demoníaco, de olhos de fogo e enormes chifres retorcidos, em meio às explosões dos canhões que expelem labaredas de fogo e nuvens de fumaça. Dickinson, em mais uma rápida troca de figurino surge, atingindo notas altíssimas nos agudos seguidas de vocais guturais, cavernosos, saídos do mais íntimo de sua genialidade interpretativa. Great!
O bem elaborado esquema de iluminação auxilia a ambientar o clima de descontração deste grande espetáculo, além de todo o excelente trabalho da cenotécnica, que trouxe para o público brasileiro um espetáculo perfeito também em sua porção visual. Cerca de 32 mil pessoas assistiram às apresentações da noite.
Um "Eddie" gigante, montado em estruturas de pernas de pau, manejadas com grande desenvoltura por um acrobata circense circula pelo palco durante a execução de "Run To The Hills".
Além das mudanças de ciclorama a cada canção executada, exibindo imagens de extremo bom gosto artístico que representam a junção entre artes visuais e os conceitos temáticos de cada música, percebemos o intenso cuidado da banda em trazer variados recursos de efeitos especiais como cascatas de fogos e várias alegorias gigantescas, adotando recursos da robótica e áreas afins, todas devidamente ocultas na intrincada engenharia de palco.
Nota para o excelente trabalho dos figurinistas, na elaboração de vistosos trajes, característicos para cada canção, contando sua história. Extremamente funcionais, permitiram trocas rápidas em questão de poucos segundos, de forma a não serem necessárias pausas na apresentação para a adoção deste recurso.
Até mesmo um grande órgão de tubo, como os encontrados nas grandes catedrais, surge na execução de uma das canções, trazendo toda a sonoridade tênue e grave das canções do baixo medievo, associadas ao acompanhamento vigoroso e cíclico da bateria e aos riffs distorcidos e suavizados da guitarra rítmica, num acompanhamento inusitado. Instrumental em sua maior porção, a arrojada canção explora influências do progressivo e da música clássica em sua estrutura de suíte, com tempos e andamentos totalmente distintos, além de cromatismos e dissonâncias nas vertiginosas variações de cadência! Até mesmo os fogos "tocam" a melodia, espocando no tempo e ritmo certos! Genial!
O set list incluiu clássicos como ”Running Free”, “Wasted Years”, ”The Trouper”, “Can I Play With Madness”, “Fear of The Dark”, “Aces High”, “2 Minutes to Midnight” e muito mais, em aproximadamente 120 minutos de puro rock n`roll!
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